Caio
acordou antes mesmo do alvorecer. Não conseguia dormir muito quando não estava
em sua casa e somente por isso despertara tão cedo. Sentia-se pouco motivado a
levantar, e, por um instante, teve vontade de renunciar ao trabalho e a qualquer
outro compromisso para se entregar exclusivamente ao nada. Ao despontar de cada
dia, tal sensação era uma das coisas que mais fazia sentido para ele, pelo
menos durante alguns minutos.
Antes de reunir a valentia necessária
para levantar, observou sua namorada por alguns segundos. Encontrava-se ainda
despida e ele gostaria de ficar olhando para ela por mais alguns minutos. Júlia
era uma moça muito bonita e sedutora. Loira, de pele clara, era razoavelmente
alta e chamava atenção pelas suas curvas. Não lhe faltava seios, que eram bem
dispostos. Possuía cintura fina e quadril largo, perfil preferido pela maioria
dos homens. Em seus vinte anos de idade,
reunia o equilíbrio quase perfeito entre ingenuidade, experiência e um toque de
mistério que a tornava ainda mais atraente.
Ao preparar seu café da manhã, decidiu
retribuir o agrado que ela fizera para ele na noite anterior. Comeu com pressa
e levou a bandeja para o quarto de Júlia. Nela continha pão integral, queijo,
suco e frutas da estação. Ao ser acordada, ficou contente com a pequena
surpresa que havia sido preparada para ela e retribuiu com um sincero e
demorado sorriso. Caio rapidamente tomou um banho e se apressou para sair, pois
estava atrasado. Ao se despedir, foi alvejado pela sedução de Júlia, que
insistia em ter mais alguns instantes de privacidade com ele. Ela usou todo o
repertório de golpes baixos que possuía, e quando tudo indicava que ele iria
ceder, se recompôs a tempo de sair às pressas, esbarrando em todos os móveis
que encontrou até chegar a porta.
Dessa vez o trajeto lhe apresentaria
algumas novidades, pois não era muito comum dormir na casa de Júlia e não
conhecia bem aquela região da cidade, e assim a viagem seria menos enfadonha.
Chegando ao trabalho, foi avisado que receberia durante a tarde, a visita de Ernesto, representante de uma organização que mantinha valorosos negócios com
a empresa em que trabalhava. Sempre que possível, preferia resolver as
pendências burocráticas com Caio, pois ele recorria a métodos - inclusive os inofensivamente
ilícitos – de agilizar todo o processo. Ernesto sentia-se muito grato por
isso.
Ainda no período da manhã, enquanto
fazia seu serviço com a meia vontade habitual, mas sem deixar de cumprir o que
lhe fora designado, recebeu grande quantidade de mensagens de Júlia. Por mais
que se esforçasse para não se enfastiar e para ser o companheiro que ela
desejava, não conseguiu conter sua irritação e parou de responder depois de
certo tempo. Por mais que tentasse, não entendia a origem de tamanha necessidade
que ela possuía de sentir-se próxima dele. Às vezes simplesmente faltava
assunto e chegava a hora de cada um cuidar de seu quinhão, mas a inabilidade
dela não apenas o espantava; o irritava, por mais paciente e tolerante que
fosse. Entretanto, toda essa demanda de sua namorada se mostrava capciosa, pois
diversas vezes encontrou-se mergulhado em pensamentos de grandeza, devido à
altura em que ela o colocava, se achando o homem mais interessante do mundo.
Não era tolo o bastante para deixar-se enganar por muito tempo. Sabia muito bem
qual era o seu lugar e rapidamente voltava para ele.
O fim da tarde se aproximava quando foi
surpreendido por Ernesto. Apressadamente terminava algumas tarefas e nem o
notou entrar pela porta de sua sala, sem discrição alguma. Desde sua chegada,
rompeu o silêncio que imperava e não poupou conversas fiadas, animando Caio que
retribuía quase na mesma moeda, porém com um pouco mais de formalidade. Ele
gostava daquele sujeito de meia idade, e até se inspirava nele. Ernesto era
dono de uma importante função em seu trabalho e tratava isso com a maior leveza
possível. Relacionava-se da mesma forma com qualquer pessoa, sem discriminações
mesquinhas, mas o que mais o impressionava era sua forma inusitada e bem
humorada de lidar com assuntos sérios. Mais uma vez, e não pela última, Caio se
perguntou se Ernesto já havia superado a fase de se aborrecer com os
desassossegos da vida, e sentiu-se envergonhado por ter se irritado tanto com
Júlia.
Quando resolveu falar de trabalho, Ernesto foi o surpreendido da vez. Mal precisou dizer o que precisava e Caio já
apresentara tudo pronto, demonstrando agilidade e precisão que o impressionou.
Ele, que nos últimos meses vinha desenvolvendo certa afeição por Caio e por
suas prestezas pôde confirmar sua suspeita sobre o potencial daquele garoto e,
olhando para ele de soslaio, comentou:
- Você apresenta qualidades
incomuns pro que faz, rapaz...
- Como assim?
- Tenho reparado em você, em
como consegue contornar e até evitar os problemas, como está atento no que
acontece ao seu redor, como consegue dar um jeitinho de resolver tudo mais
rápido... Você não se considera desperdiçado aqui nessa sala, sufocado com
esses papéis que falam muito, mas não dizem nada?
- É um bom emprego, sou bem recebido
aqui e procuro fazer o que me pedem.
- E o que não te pedem
também.
- Ah, sim, às vezes... Não é
o trabalho mais motivador e desafiador, mas pra quem ainda não concluiu os
estudos está de bom tamanho. Pelo menos por enquanto.
-Por enquanto, é? A empresa
que trabalho irá em breve expandir, criar novas filiais. Eu serei o responsável
por uma delas e não acredito que conseguirei fazer isso sozinho. Estou ficando
velho e preciso de gente nova comigo. Alguém que consiga se virar, que não
dependa de ordens diretas e que tenha condições de tomar decisões importantes,
até mesmo na minha ausência. Está me entendendo, filho?
-Perfeitamente.
-Anote aqui o número do seu
telefone, ele poderá tocar logo em breve. Esteja preparado para algumas mudanças, pode
ser que elas aconteçam.
Caio assistia Ernesto deixar sua sala
com passos desapressados enquanto seu coração vagarosamente desacelerava. Ele
não esperava por uma surpresa dessas, e por mais que não se tratasse de uma
oferta de trabalho oficial, foi o suficiente para renovar seus ânimos.
Pululando excitação, tentou preparar-se para os estudos. Dessa vez não dormiria
durante as aulas, pois estava animado demais para ser vencido pelo cansaço.
Escreveu para Júlia contando a novidade. Havia realmente se animado muito. Ao
deixar o prédio, despediu-se do porteiro com um largo sorriso. Teve a sensação
de que sentiria falta dele se não mais pisasse ali quase todos os dias da
semana. Naquele dia, nem o transporte público iria conter sua animação.
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