A bela e ensolarada tarde de sábado estava prestes a anunciar o seu fim, quando, pela quarta ou quinta vez, Ernesto foi convidado por sua esposa a sair do escritório, deixar o trabalho de lado para aproveitar com ela e seus dois netos a valorosa família que construíram juntos. Gostaria de continuar ali e finalizar mais alguns detalhes de sua nova empreitada, contudo, seus longos anos de convivência com sua amada companheira lhe ensinaram que umas poucas vezes ela insistia em requisitar sua presença com doçura, entretanto, quando subia minimamente o tom de voz, era a hora de atendê-la.
Nos últimos meses, mais do que de costume, passava grande parte do seu tempo de descanso trabalhando, o que deixava sua esposa um tanto insatisfeita. Mas Ernesto era obstinado, e, vendo aproximar-se sua aposentadoria, entregava-se ainda mais. Já sentia, em seu íntimo, que o trabalho lhe faria falta. Não somente o trabalho em si e todas as atividades que nele desempenhava, mas também a importante posição que ocupava, além da forma com que as pessoas lhes prestavam atenção, a admiração que seus colegas de trabalho tinham por ele... Tudo isso exercia um papel quase central na sua vida. Desejou que sua filha tivesse seguido seus passos, ocupando uma posição semelhante a dele, de preferência trabalhando junto de si, e, dessa forma, poderia manter-se conectado a tudo que conquistara quando se aposentasse, mesmo que mediado por ela. Porém ela havia escolhido uma vida bem diferente, e mesmo tendo recebido educação de altíssima qualidade, contentava-se em ser mãe e dona de casa.
A crescente sensação de esvaziamento que sofreria quando finalmente sua aposentadoria o alcançasse, ele percebia, fazia crescer também suas afeições por Caio. Não sabia exatamente por que, mas sentia que aquele rapaz poderia dar continuidade ao que ele havia construído e ostentado durante anos. Não desvendara inteiramente os motivos, mas enxergava um brilho diferente nos olhos daquele rapaz. Não o brilho da ambição de quem tudo quer conquistar indiferente dos meios para se chegar à glória. Não, Caio era diferente, enigmático e carregava certo mistério em suas atitudes, o que muito interessava àquele homem que caminhava para a terceira idade e cuja maturidade lhe furtava o prazer de ser surpreendido. Seus sentidos diziam que aquele jovem rapaz tinha um caminho singular pela frente, e que não cobiçando a glória, ainda assim teria seu lugar ao sol, o que despertava tanta curiosidade em Ernesto, talvez pelo fato de que ele próprio jamais poderia ter agido de maneira semelhante.
Enquanto ajudava seu neto mais velho com um quebra-cabeça e ouvia sua neta falar sobre os diversos penteados que havia inventado para sua nova boneca, seus pensamentos se voltavam para seu trabalho e para Caio. Vinha se sobrecarregando de tanto trabalho, e, se realmente desejava tentar promover a carreira daquele rapaz, deveria começar a fazer isso desde já. Sentiu-se determinado. Durante a semana ajeitaria tudo na empresa para que pudessem recebê-lo e telefonaria para ele quando tudo estivesse acertado. Gostaria de acompanha-lo de perto, porém decerto não se meteria demasiadamente, pois queria que Caio se resolvesse por sua própria conta.
E não era só em sua carreira que gostaria de participar. Talvez pudesse apresentá-lo às garotas do setor de comunicação. Certamente eram todas boas moças. Contabilizando rapidamente, lembrou-se de Catarina, Rosana, Amanda, e havia ainda Fernanda, que acabara de ficar solteira. Não, não era uma boa ideia, Caio já se encontrava em um relacionamento e em nada disso ele deveria interferir.
Após tomar sua decisão, naquele mesmo dia Ernesto começava a se sentir um pouco mais leve e, ao mesmo tempo, saudoso. Alguma coisa dizia a ele que ali começava todo o movimento de passar a bola para frente, e que terminaria inevitavelmente com alguém ocupando seu espaço, tomando para si, em determinado momento, todas as suas glórias. Diante do quadro, o melhor que poderia acontecer seria conseguir fazer com que Caio fosse esta pessoa.
Revisão, direção, apoio e conselhos na madrugada: Paulo Machado
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